Consulta pública para prescrição do canabidiol vai até 23 de dezembro

CFM recebe contribuições na consulta pública de prescrição do canabidiol da sociedade após nota anterior do órgão restringir uso; entenda e participe

A Anvisa relaciona uma lista de medicamentos derivados da cannabis que podem ser comercializados, desde que apresentada a receita médica de controle especial. Atualmente, no Brasil, o canabidiol pode ser usado, com autorização da Agência, para tratamento de epilepsia refratária em crianças e adolescentes que não respondem a outras terapias disponíveis, síndrome de Dravet, de Lennox-Gastaut e esclerose tuberosa.

Em outubro, o Conselho Federal de Medicina publicou a resolução número 2.324 que autorizava o uso da cannabis apenas para tratar quadros de epilepsia. Entidades e associações de pacientes, além de médicos que prescrevem o uso para diversos casos como Alzheimer, Parkinson e transtornos de humor, criticaram a medida. “É óbvio que é preciso regulamentar mas, a partir do momento que eu li aquilo, que na verdade restringia absurdamente o uso de derivados da cannabis para o tratamento de outras doenças neurológicas que eu também trato no meu consultório, isso me incomodou muito”, desabafa a neurologista Raquel Vassão.

A médica lembra que, em meio à pandemia, o CFM defendeu arduamente a liberdade de autonomia médica de prescrição de outros medicamentos: “Inclusive quando a gente não tinha evidências científicas tão robustas, então, são ‘dois pesos, duas medidas'”, disse.

Dez dias depois das manifestações e a repercussão nas redes sociais, o Conselho Federal de Medicina abriu consulta pública para avaliar a prescrição do canabidiol no Brasil para diversos tratamentos até o dia 23 de dezembro; para participar, clique aqui.

Você pode conferir a edição do programa Saúde na Roda, no canal da CDD no YouTube, em que falamos com mais profundidade sobre o uso do canabidiol para diversas patologias. Confira:

O que dizem os pacientes

Cidinha Carvalho é mãe da pequena Clara, que tem síndrome de Davet, com uma epilepsia severa e alto risco de morte súbita, e que também é paciente de cannabis terapêutica. Ela conta que o medicamento mudou a expectativa de vida da filha e a qualidade de interação com a família. “Antes da cannabis ressurgir como remédio, muitas crianças com síndrome de Davet não chegavam na adolescência. Então, eu e meu marido corremos contra o tempo até mesmo porque a Clara passava por muitas internações, com várias paradas respiratórias e cardiorrespiratórias”, conta.

A presidente da Associação de Cannabis e Saúde entrou na luta em julho de 2013. “Toda síndrome vem com um ‘pacote’ de sintomas e eu percebia, desde os cinco meses e meio, que minha filha não transpirava. No decorrer dos anos, notei que qualquer movimentação de atividade física ela também não transpirava. Minha filha não corria por causa da hipotonia, não subia escada, não pulava corda, nada disso. Eu e meu marido revezávamos à noite porque minha filha tinha apneia de sono. Toda hora tinha que esticar a traqueia buscando uma posição mais confortável para ela respirar”, lembra.

Cidinha também relata que Clara falava tudo fora de contexto, nunca uma frase inteira. Além disso, a coordenação motora era muito prejudicada e a menina está no Transtorno do Espectro Autista.

Quando conseguiu acesso à cannabis em 2013, a filha começou a ter menos crises: “Logo de cara ela já ficou 11 dias sem ter crise nenhuma. Foi um divisor de águas na nossa vida porque a partir daí tudo começou a melhorar. Quando a Clara já tinha tomado óleo por quatro meses, começou a transpirar. Foi com 11 anos de idade a primeira vez que eu vi a minha filha transpirar, foi muito emocionante”, afirma.

Com oito meses de medicação, Clara foi à um aniversário do priminho e lá conseguiu brincar em uma cama elástica pela primeira vez, se equilibrando melhor. “Aquilo foi transformador para nós. Posso dizer que hoje minha filha diminuiu 80% das crises convulsivas, tem duas por mês, e cada uma dura menos de um minuto. Antes, minha filha convulsionava por 1 hora, 1 hora e meia, com paradas respiratórias”.

Sobre a resolução anterior que restringiu o uso do canabidiol para diversas doenças, Cidinha analisa: “Desde 2014, o CFM sempre negou a ciência em relação a cannabis, até mesmo enfatizando que somente os neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras poderiam prescrever e, mesmo assim, somente para epilepsia. Alguns continuam prescrevendo para outras categorias, sendo amparados pela Anvisa”.

Para Cidinha, o Conselho Federal de Medicina deve considerar os depoimentos da consulta pública com humanidade. “É um absurdo imaginar que crianças e adolescentes não vão crescer assim como minha filha. Acho que todos precisam responder, colocar o que nós pensamos e sugerir realmente as nossas ideias, até mesmo porque essa luta começou de baixo para cima. São mães, cultivadores, mães encorajando médicos a estudarem sobre o assunto, então, essa causa é de todos nós”, conclui.

O que dizem os especialistas

A neurologista Raquel Vassão explica que é preciso entender o funcionamento da planta como um todo. A médica esclarece que o canabidiol e o THC são os dois princípios ativos mais importantes da cannabis: “Na verdade, são ‘produtos’ dessa planta para gerar um medicamento. Na medicina ocidental, nos últimos 15, 20 anos, a gente passou a ter pesquisas e evidências científicas demonstrando os benefícios do uso principalmente dos produtos que contém maior quantidade de canabidiol, que não parece ter efeitos psicoativos”.

Raquel ressalta que o canabidiol tem um efeito muito importante principalmente nas epilepsias, no controle de sintomas ansiosos e de comportamento também em idosos com demências. O THC, segundo ela, tem um efeito mais voltado para dor crônica. “E a maior parte das evidências que a gente tem dos canabinóides são para sintomas refratários, ou seja, que você já tentou usar alguma outra medicação e não teve sucesso”, diz.

Para a neurologista, a consulta pública é uma oportunidade, também, para que o CFM se aproxime mais das realidades vividas por pacientes e suas famílias.

Entenda as restrições anteriores do CFM para a prescrição do canabidiol

Oito anos após a orientação do Conselho Federal de Medicina sobre o uso do canabidiol, a entidade decidiu publicar uma nova norma voltada a profissionais de saúde sobre o tema. Em outubro de 2022, o CFM publicou a resolução 2.324 que restringia o uso do medicamento apenas para alguns quadros e epilepsia. Além disso, o documento proibia a prescrição de “quaisquer outros derivados que não o canabidiol”.

Segundo a autora da resolução, Rosylane Rocha, após norma da Anvisa, “houve inúmeras atividades de fomento ao uso de produtos de cannabis e um aumento significativo de prescrição de canabidiol para doenças em substituição a tratamentos convencionais e cientificamente comprovados”.

A previsão é a de que o CFM reveja a resolução, que atualmente está suspensa, após resultado desta consulta pública.

Saiba como participar da consulta pública

A consulta pública para prescrição do canabidiol no País vai até 23 de dezembro. Para dar opinião sobre o assunto e participar da consulta, acesse o portal do Conselho Federal de Medicina, o CFM, nesse link.

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