Conitec abre consulta pública sobre uso do canabidiol para epilepsia refratária a medicamentos; saiba como participar

ATUALIZAÇÃO, 24/03, às 14h06: Consulta Pública foi reaberta e aceitará contribuições até o dia 28 de março.

Recomendação é para quando as crises não diminuem mesmo com doses de antiepilépticos

Imagine você presenciar alguém da família tendo 30 convulsões em um só dia e, mesmo depois de ter utilizado 11 tipos de medicamentos, com princípios ativos diferentes, as crises não cessarem? Por muito tempo, foi isso que aconteceu na vida de Mariana Rosa, que mora em Belo Horizonte, Minas Gerais, ao acompanhar a rotina da pequena Alice, que foi diagnosticada com epilepsia aos cinco meses de vida. “Ela nasceu prematura. Com 40 dias de vida, Alice teve uma parada cardiorrespiratória que durou 26 minutos. O cérebro sofreu uma falta de oxigenação prolongada. Depois da alta do hospital – ela saiu tomando anti-convulsivante -, fomos para casa e comecei a notar os espasmos. Ela teve o diagnóstico de Síndrome de West, que é uma epilepsia de difícil controle”, lembra.

É como se o cérebro da pequenina fosse um “terreno esburacado” após a morte de muitos neurônios e, a partir de então, ela tivesse o que os médicos chamam de epilepsia refratária.

Até o dia 15 de março, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde abriu consulta pública para receber as contribuições da sociedade sobre a proposta de incorporação do produto Canabidiol Prati-Donaduzzi® para o tratamento de crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos antiepilépticos, quando as crises de epilepsia não diminuem mesmo com o uso dos medicamentos disponíveis. Segundo a OMS, existem mais de 65 milhões de pessoas com epilepsia em todo o mundo.

Mariana Rosa afirma que utilizou mais de uma dezena de medicamentos com Alice, sem sucesso no controle das convulsões: “E a Alice tem convulsões diárias, chegou a ter mais de 30 em 24 horas. Ela tomou 11 tipos de medicações, todas registradas na Anvisa, com efeitos colaterais diversos. Então, ela vivia muito dopada, muito sonolenta, sem muito reflexo para engolir e isso levava a situação de pneumonia. Sempre muito apática, sem interagir com o mundo porque estava justamente excessivamente medicada”.

Mulher branca de blusa preta de manga comprida, cabelos castanhos cacheados até o ombro e óculos escuros sorri com os braços para frente, segurando uma criança de calça preta com bolinhas brancas, blusa rosa de mangas compridas, sentada em um carrinho de bebê azul.
Mariana e Alice Rosa (Foto: acervo pessoal)

Quando a filha completou um ano e meio de idade, Mariana decidiu tentar o canabidiol. “No início era bastante difícil o acesso. Uma papelada na Anvisa…bastante burocrática. Tinha que provar que já tinha tentado todos os medicamentos sem sucesso. Tinha que desembaraçar o remédio na alfândega, pagar para uma pessoa. Hoje em dia chega em casa, por Sedex. Pode comprar em farmácia com receita. Mas a gente também enfrentou muita resistência de médicos dizendo que não tem pesquisa suficiente sobre o assunto, o que não é verdade.  A erva é conhecida há mais de 10 mil anos para uso medicinal”, diz.

O neurologista Flavio Rezende, mestre e doutor em Neurologia, professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro concorda com Mariana. “O avanço do conhecimento científico sobre a cannabis medicinal e o desenvolvimento da

indústria farmacêutica especializada mostram que a substância pode ser classificada como

uma nova área terapêutica disponível para apoiar diferentes especialidades médicas”, ressalta.

O diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Health Meds analisa que os fitofármacos à base da cannabis são desenvolvidos por meio de rigorosos controles de qualidade com 99% de grau de pureza e indicações definidas. “Estudos de fase III para tratar dor e espasticidade na esclerose múltipla e para o tratamento de epilepsias farmacorresistente

apresentam evidências científicas sólidas com aprovação regulatória pelo FDA (Food and Drug Administration), nos Estados Unidos”, enfatiza o médico.

O que é epilepsia?

A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada pela ocorrência de crises originárias de uma descarga anormal das células cerebrais responsáveis pela transmissão dos impulsos nervosos. Ela pode ter diversas causas, tais como lesões estruturais, doenças infecciosas, alterações genéticas, traumas e acidente vascular cerebral (AVC), entre outras.

O diagnóstico pode ser feito clinicamente, por meio da obtenção de informações como idade de início, frequência e intervalos das crises, por exemplo. Exames complementares, como o eletroencefalograma (EEG) podem auxiliar no diagnóstico para a escolha do tratamento mais adequado.

Existem medicamentos que ajudam a controlar as crises, permitindo que a pessoa com epilepsia viva sem grandes limitações. Entretanto, cerca de 30% dos pacientes continuam apresentando crises epilépticas mesmo utilizando remédios.

Paciente-testemunho sobre canabidiol

Na 94ª reunião da Conitec, em fevereiro, uma representante de paciente compartilhou a experiência de uso do canabidiol pela filha, com Síndrome de Dravet, uma forma rara e grave de epilepsia refratária. Segundo ela, em 2016, a criança começou a usar um produto importado à base de CBD puro. Contudo, parou, pois ocorreram alguns efeitos: as crises diminuíram de quantidade, mas tiveram a duração aumentada. Tentativas com outros produtos à base de cannabis foram realizadas e, há 2 anos e 5 meses, conseguiram estabelecer a dosagem ideal de um óleo caseiro, que, além do CBD, também contém tetrahidrocanabinol. Desde então, a criança não apresenta crises e aos poucos foi deixando de utilizar os medicamentos anticonvulsivantes que antes necessitava usar. “A participação trouxe aspectos pertinentes, ainda que não tenha se referido exatamente ao Prati-Donaduzzi®”, enfatiza nota da Conitec.

Mariana Rosa, ouvida pela nossa reportagem, explica que, quando a filha começou a usar o canabidiol, as convulsões não pararam, mas houve uma série de benefícios. “É importante dizer isso porque não tem milagres. Para algumas pessoas dá muito certo e para outras não. No caso da Alice, ajudou bastante na redução dos outros medicamentos. É como se a gente tivesse tirado um véu e ela tivesse se conectado com o mundo”, avalia.

Sobre a incorporação do medicamento pelo SUS, a mãe de Alice não tem dúvidas: “Demorou! Imagina você que o Brasil tem a autorização para embalar e distribuir a maconha medicinal, mas não tem para produzir. Então, esse remédio chega aqui e vai parar na farmácia acima de R$ 2 mil! Quem é que consegue comprar isso?”. Para ela, a discussão não avançou até agora por causa da polêmica que envolve a cannabis. “Fico estupefata com o tabu que envolve essa discussão, que é hipócrita e irresponsável, na medida que nega a existência de pessoas que tenham essa doença. Ninguém deveria negar o direito de se tratar! Infelizmente, deu na folha da maconha. Poderia ter dado na do abacaxi. Quero mais é que o canabidiol seja distribuído pelo SUS para todos”, conclui

Saiba como participar da consulta pública

Para enviar as contribuições a respeito do uso do canabidiol em pacientes com epilepsia refratária, basta clicar aqui. O prazo para envio de contribuições vai até o dia 15 de março.

Confira 6 passos para entender o que é uma consulta pública

O que diz a Conitec

A Comissão recomendou inicialmente a não incorporação no SUS do canabidiol 200mg/ml para o tratamento de crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos antiepilépticos. “O plenário considerou que as evidências disponíveis incluíram poucos pacientes, apresentaram benefício clínico questionável, aumento importante de eventos adversos e descontinuação do tratamento, com resultados de custo-efetividade e impacto orçamentário elevados”, diz o relatório à sociedade.

O canabidiol em avaliação, com nome comercial de Prati-Donaduzzi®, é um produto de cannabis na forma de solução oral na concentração de 200 mg/ml, conforme disponibilidade regulatória em território nacional. O produto não inclui em sua composição o tetrahidrocanabinol (THC), um outro subproduto que pode ser obtido por meio da cannabis. O produto possui autorização para comercialização concedida pela Anvisa, porém sem indicação específica, ficando a cargo do médico estabelecer a destinação e a forma de uso. A solicitação para avaliação da tecnologia foi realizada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde (SCTIE/MS). “As evidências científicas existentes sobre o produto foram consideradas de moderadas a muito baixas, por serem indiretas (ou seja, as pesquisas encontradas referiam-se a outra população ou intervenção), imprecisas e por também possuir risco de viés, algo que ocorre quando há erros na forma de condução dos estudos que podem distorcer o resultado”, aponta a Conitec.

Fundamental

Após ouvir representante da sociedade médica, da indústria farmacêutica, da sociedade civil e estudar com profundidade a reunião da CONITEC disponibilizada on line, nós emitimos o seguinte posicionamento: A inclusão desse medicamento como terapia disponível no SUS, no tratamento de epilepsia refratária a medicamentos, garante que cada vez mais pessoas possam ter acesso a melhor qualidade de vida e saúde de uma forma integral. Ampliar o arsenal terapêutico, ainda mais para pessoas que as medicações já em uso não demonstram bons resultados,  é medida necessária para permitir não apenas qualidade de vida, mas a vida propriamente dita.  A epilepsia se manifesta de diferentes modos em cada pessoa e, por isso, devem ser dadas ao médico e ao paciente o maior número possível de opções seguras e eficazes. O medicamento em questão é uma dessas opções, aprovada pela ANVISA.

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