Adoção de novas tecnologias já é majoritária entre os médicos

Quase 80% dos médicos utilizam prontuários eletrônicos e mais da metade segue com teleatendimento mesmo após fim das restrições da pandemia, mostra pesquisa da Afya. Mas especialistas apontam necessidade de formação para utilizar as inovações com cada vez mais eficiência 

Por Bettina Gehm e Valentina Bressan, da Redação AME/CDD

Os médicos brasileiros embarcaram de vez nas tecnologias aplicadas à saúde. É o que mostra a mais recente pesquisa da Afya (clique aqui para acessá-la), uma rede de educação em saúde e healthtechs. Entre os 1 064 médicos ouvidos entre agosto e setembro de 2022, quase 80% utilizam softwares ou plataformas de prontuário eletrônico e gestão do consultório – uma tendência que não dá sinais de diminuir.

As consultas online, que ganharam corpo durante o isolamento social na pandemia de covid-19, vieram para ficar: 54% dos profissionais realizam teleconsultas no dia a dia, mesmo com o fim das restrições sanitárias. A prática foi tão bem-sucedida que outras áreas também desejam mantê-la. Em dezembro, um projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados, buscando regulamentar definitivamente a prática da telessaúde no Brasil. 

A proposta, que será enviada para sanção do presidente, amplia o texto que restringia aos médicos o atendimento remoto. Se aprovada, a lei vai abranger todas as profissões regulamentadas na área da saúde.

“A regulamentação é essencial para garantir a segurança das informações do paciente, assim como as melhores práticas clínicas e assistenciais do teleatendimento”, avalia Filipe Silveira, médico da telemedicina do hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. 

Telemedicina

 

Informações disponíveis na palma da mão

Aliado à teleconsulta, o prontuário eletrônico vem facilitando a vida na hora do tratamento. “Além da praticidade na hora de registrar as informações, ele garante segurança tanto para o médico quanto para o paciente”, afirma Silveira. “Trabalhar com saúde é trabalhar com informações sensíveis, então o prontuário permite que elas sejam armazenadas com a devida importância”.

Mas, até o prontuário eletrônico ser disponibilizado para todos através do SUS, há um longo caminho a percorrer. “Ainda existem muitos hospitais que não usam prontuário eletrônico, principalmente em periferias ou cidades menores, com menor estrutura”, explica Jefferson Fernandes, diretor de educação na International Society for Telemedicine and eHealth. Além disso, existe uma diversidade de modelos de prontuários que, geralmente, não conversam entre si. “Se a pessoa é atendida na unidade básica [UBS] de uma cidade e precisa se consultar em outro município ou estado, essa informação raramente está disponível”, afirma. 

Existe um plano estratégico de saúde digital, elaborado pelo Ministério da Saúde e com meta de ser cumprido até 2028, para que haja um sistema integrado das informações do paciente em todo o país. “Há um caminho sendo construído para chegarmos no chamado prontuário único”, projeta Fernandes. “Não necessariamente um só modelo de prontuário, mas um sistema que possa ser operado nos diversos softwares de prontuários”. A tecnologia, que já existe em Portugal, por aqui ainda precisa de investimento e políticas públicas.

Ferramentas de prescrição digital – que já são utilizadas por 67,5% dos entrevistados na pesquisa da Afya – também fazem com que o paciente não precise se deslocar até o consultório. A receita pode vir com um QR code, lido na farmácia por quem vai dispensar o medicamento. De acordo com Silveira, isso garante uma segurança maior do que o carimbo e assinatura. “Essa praticidade permite que a consulta aconteça à distância sem o risco de fraude ou erros”, comemora o médico.

Outra premissa da receita digital é a integração entre os serviços de saúde. Imagine que um especialista teria acesso ao seu histórico de medicações para então deixar de prescrever algum remédio que interaja de forma negativa com outro já utilizado. Por enquanto, as informações entre serviços de saúde diferentes ainda não estão completamente integradas e disponíveis. Mas existe, dentro de uma mesma rede ou serviço de saúde, um compartilhamento que permite ao médico que atende em um setor do hospital ter acesso a prescrições e condutas de outra área. 

Apoio tecnológico para os médicos

Além de permitir uma interação facilitada entre médicos e pacientes, as tecnologias em saúde amplificaram o acesso dos profissionais a informações atualizadas sobre enfermidades e tratamentos. São as chamadas ferramentas de suporte à decisão. “Mesmo para um especialista, é impossível acompanhar todos os artigos publicados sobre um assunto”, explica Fernandes. “Existem organizações profissionais que fazem uma avaliação, leem os artigos, resumem e colocam nesses sistemas que estruturam e sintetizam a informação”. 

Inovações como a inteligência artificial vêm sendo incorporadas às ferramentas de suporte à decisão. Cada vez mais, o cruzamento de informações permite embasar as condutas dos médicos, trazendo mais segurança e qualidade para a atenção em saúde. “As maiores inovações se encontram na integração das informações e no seu compartilhamento entre os sistemas. Ferramentas de prescrição, por exemplo, conectam o médico ao banco de dados de medicações com preço ou dosagem e auxiliam na prescrição, bem como na compreensão do paciente”, diz Silveira.

Por maior que seja a sofisticação da tecnologia, esse tipo de recurso é considerado apenas um apoio para a conduta médica – as decisões ainda são, e continuarão sendo, tomadas com base principalmente no conhecimento do profissional. 

O futuro da telemedicina

As próprias teleconsultas, que costumavam ser adotadas de forma tímida antes da pandemia, hoje encontram mais adesão. Mais da metade dos médicos ouvidos pela pesquisa da Afya afirmaram realizar atendimentos via internet. 

Para os pacientes, os benefícios destacados pelos médicos envolvem a redução de filas nas emergências e a possibilidade de ser atendido de forma mais ágil e de qualquer local, evitando deslocamentos. Os profissionais também se beneficiam de uma interação facilitada entre si, a chamada interconsulta, para compartilhar informações. 

“Há bastante tempo laudos para exames, por exemplo, já eram fornecidos à distância. A interação entre médicos também acontecia, mas de forma mais tímida. Tudo isso vai aumentar bastante com o crescimento da telemedicina”, avalia Fernandes. 

Outra modalidade de teleatendimento intensificada com a pandemia é o monitoramento a longo prazo de pacientes, especialmente útil para quem tem doenças crônicas. “Com esse acompanhamento, há um aumento da adesão aos medicamentos e às orientações não farmacológicas – como dieta e atividade física”, completa. 

No sistema público, a telemedicina também surge como uma perspectiva de aumentar o acesso à saúde em locais remotos. O Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, realiza ações em parceria com o Ministério da Saúde e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI). Um dos projetos é o Teleoftalmo, que conecta profissionais da saúde da instituição com consultórios de várias localidades do Rio Grande do Sul. “Desde 2017, foram cerca de 30 mil atendimentos, com mais de 10 mil óculos entregues à população”, explica Filipe Silveira.

Para o futuro, os especialistas projetam uma necessidade de capacitação dos profissionais. “Embora a saúde digital esteja em franca ascensão no Brasil, o currículo das faculdades tradicionais não engloba todos os treinamentos necessários. Mas certamente isso tende a mudar com o tempo”, pontua Silveira. 

A formação dos médicos, ele avalia, precisará incluir não só o uso de novas ferramentas como a adaptação das práticas costumeiras da medicina para esse novo meio. “Os softwares e a internet são apenas ferramentas; a telemedicina é um método de cuidado. Todo método precisa ser aprendido e demanda capacitação”, complementa Fernandes. 

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