Medicações para covid-19 aprovadas pela Anvisa enfrentam problemas de distribuição

Primeiros lotes de medicações para covid-19 com eficácia comprovada começaram a chegar ao país. Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) alerta, porém, que informações sobre disponibilização no SUS não estão claras

Por Bettina Gehm, da Redação AME/CDD

Desde o início de outubro, mais de 1,3 mil brasileiros morreram de covid-19. Parte dessas vidas poderia ter sido salva caso medicamentos já aprovados pela Anvisa para prevenir o agravamento de quadros estivessem disponíveis pelo SUS – o que depende de uma avaliação da  Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, a Conitec, e a liberação subsequente do Ministério da Saúde. São o Paxlovid (nome comercial para a medicação que associa nirmatrelvir e ritonavir), o baracitinibe, o remdesivir e a associação de tixagevimabe e cilgavimabe (veja quadro abaixo). Mas o acesso a esses tratamentos está sendo dificultado por problemas na distribuição e na não incorporação dos mesmos ao Sistema Único de Saúde.

A  Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) expressou preocupação por meio de uma nota. Segundo ela:

  • O Paxlovid não está sendo distribuído para os estados
  • Falta clareza quanto à distribuição do baracitinibe
  • Os outros três remédios não foram incorporados ao sistema público pela Conitec.

Os tratamentos são especialmente importantes para os grupos de risco, como idosos acima de 80 anos ou pessoas com múltiplas comorbidades. “São pacientes com maior probabilidade de desenvolver quadros mais graves. Estas medicações diminuem essa chance”, explica o infectologista Alexandre Zavascki.

A avaliação da Conitec é diferente da realizada pela Anvisa. A Comissão considera, em sua decisão, não apenas a eficácia e segurança do remédio, mas também a análise de custo-efetividade. “Ou seja, quanto a adoção da terapia será economicamente favorável para o SUS”, explica a sanitarista Thaís Gondar, que trabalha com regularização de produtos sob vigilância sanitária, especialmente dispositivos médicos, há 20 anos. “São duas visões e métodos diferentes. Além disso, a Conitec pode sofrer pressões por interesses políticos”, completa.

Compra dos medicamentos

O Paxlovid foi adquirido pelo Ministério da Saúde, conforme consta no Portal da Transparência. A licitação com a Pfizer, que fabrica o remédio, no valor de R$ 129 milhões, não teve a data divulgada. O ministério chegou a noticiar que recebeu o primeiro lote com 50 mil doses do remédio no final de setembro, mas ele ainda não foi distribuído para os estados. Conforme a SBI, “nenhum paciente foi tratado com essa que é a única opção terapêutica incorporada no SUS para casos leves e moderados”. 

“Com a chegada das 50 mil doses, espera-se que logo as secretarias de saúde possam ter acesso”, aponta Thaís. O Ministério da Saúde não retornou a reportagem quando perguntado sobre o motivo da demora.

A pasta executou também uma licitação para compra do baracitinibe, indicado para pacientes com casos graves de covid-19, no valor de R$ 18,7 milhões. O remédio está sendo distribuído para as secretarias estaduais de Saúde, mas sem clareza de como a distribuição está sendo feita, conforme a SBI. 

Thaís Gondar explica que, em hospitais onde há pacientes que podem se beneficiar do baracitinibe, a equipe médica preenche um cadastro para receber o fármaco. “O paciente deve atender aos critérios estabelecidos no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas publicados pelo Ministério e também protocolos clínicos das secretarias estaduais de saúde”, diz a sanitarista.

A Conitec decidiu, em junho de 2021, não incorporar o remdesivir, primeiro remédio aprovado e largamente testado para tratamento dos casos de covid. No entanto, o Portal da Transparência mostra três licitações para compra desse e de outros medicamentos – que seriam entregues a instituições vinculadas às Forças Armadas. As licitações somam mais de R$ 560 mil investidos em 180 frascos, que seriam destinados ao Hospital das Forças Armadas, e a clínicas de saúde da Aeronáutica. A reportagem questionou o Exército Brasileiro sobre o motivo pelo qual o remédio foi comprado para hospitais militares, já que a Conitec optou por não incorporá-lo ao SUS. O Exército não respondeu até o fechamento da matéria.

Dos medicamentos aprovados pela Anvisa, só o remdesivir e o baricitinibe possuem registro sanitário definitivo. Por isso, são os únicos que podem ser disponibilizados na rede privada, conforme Thaís Gondar. “Os demais foram aprovados somente para uso emergencial, cuja distribuição se restringe ao SUS”, afirma.

Medicamentos para covid aprovados pela Anvisa e não disponíveis no SUS

Nirmatrelvir/ritonavir

É um antiviral que, de acordo com a SBI, reduz substancialmente o risco de hospitalização e óbitos em pacientes de covid-19 leve a moderada. O nirmatrelvir teve aprovação emergencial pela Anvisa em março de 2022 e a Conitec incorporou a medicação em maio. Embora o MS tenha noticiado que recebeu os primeiros lotes do remédio em setembro, há problemas na distribuição dele para os estados.

Baracitinibe

É indicado em pacientes com covid-19 grave, hospitalizados em uso de oxigênio, para mitigar o efeito hiperinflamatório da doença, que pode levar o paciente à UTI e é associado à alta mortalidade. O baracitinibe foi aprovado pela Anvisa ainda em setembro de 2021 e incorporado pela Conitec em março de 2022 – ele já era utilizado para artrite reumatoide e dermatite atópica. O remédio está sendo distribuído através das Secretarias Estaduais de Saúde (SES), mas a SBI cobra clareza sobre esse processo.

Molnupiravir

Reduz o risco de hospitalização e óbitos em pacientes na fase inicial da covid-19. Em sua nota, a SBI esclarece que ele é seguro e passou por testes onde apresentou taxa de hospitalização ou morte 31% menor entre aqueles que usaram o medicamento.

A medicação foi aprovada pela Anvisa em maio deste ano, mas a Conitec optou por não incorporá-la ao SUS. A segurança do molnupiravir é incerta, segundo a Conitec, porque os dados sobre o efeito mutagênico do remédio em células humanas ainda são escassos. Trata-se do potencial que a substância tem de causar alterações no DNA das células. 

“É especialmente preocupante, por exemplo, no caso de malformações congênitas, ou de criação de células cancerosas”, explica a sanitarista Thaís Gondar. A própria Anvisa apontou que o molnupiravir tem uma restrição de uso para gestantes, mulheres que estejam amamentando ou que podem engravidar e não estejam usando contraceptivos. “Esse potencial mutagênico pode ser, sim, preocupante na adoção pelo SUS”, pondera a especialista.

Remdesivir

É uma medicação antiviral endovenosa para casos de covid leve, moderada ou grave. No entanto, por ser aplicado na veia, acaba sendo usado em casos muito selecionados, já que o paciente precisa ser internado para recebê-lo. O tratamento foi aprovado pela Anvisa e é recomendado pela OMS desde setembro de 2022, mas não foi incorporado pela Conitec. A Conitec alega, em um relatório, que haveria limitações na metodologia usada nos estudos sobre o remdesivir e que o medicamento estaria “associado a um risco aumentado de bradicardia [batimentos cardíacos irregulares e lentos] em pacientes diagnosticados com covid-19”.

Tixagevimabe e cilgavimabe

Combina dois anticorpos monoclonais (feitos em laboratório e capazes de bloquear a replicação do vírus no organismo), é injetável em uma única dose e possui o objetivo de prevenir episódios de covid-19 em indivíduos com alto risco de a forma grave da doença. Não só a Anvisa, mas as agências americana (FDA) e europeia (EMA) aprovaram seu uso. A Conitec, no entanto, optou por não incorporá-lo ao SUS e argumenta que “a incerteza da evidência clínica, frente à variante atualmente circulante no país, e à […]avaliação do impacto orçamentário”. 

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