Dia mundial da ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica)

Luiz Alexandre Souza Ventura*

Uma sequência de 100 exames. Esse foi o começo da nova vida do ex-tenente do Exército e administrador aposentado Victor Garcia. No ano passado, aos 58 anos, ele descobriu ter ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica). “Quando o médico confirmou, perguntei se a amputação da minha perna poderia interromper a doença. Eu estava muito bravo”, conta.

Victor sempre praticou esportes, nadava entre seis e dez quilômetros diariamente, também pedalava, nunca fumou ou consumiu bebidas alcoólicas. Cuidar da saúde sempre foi parte da rotina, para que a velhice chegasse saudável. “Sempre digo que ELA está comigo, mas eu não estou com ela. Não faço mais o que eu fazia antes, era ativo e dinâmico, agora mal desço escadas, às vezes desço sentado. Essa lerdice me incomoda, mas meu pensamento é rápido”, diz.

Tudo começou com uma dor constante no joelho direito. Parecia ser algo no menisco. Durante uma sessão de fisioterapia, ao fazer agachamento com pesos, ele tombou para trás. Com o tempo, notou perda de massa muscular na área e passou a sentir uma fraqueza quando pedalava. No ano passado, em viagem com o filho para a Espanha, precisou sentar no chão do aeroporto e não conseguiu mais ficar em pé. Chegou a cair quando tentou alcançar uma mesa. Tomou medicamento para combater inflamações e usou uma cadeira de rodas.

Um endocrinologista amigo da família pediu mais de 90 exames, inclusive uma eletroneuromiografia, que não detectou alterações significativas. Então, Victor foi ao neurologista e uma nova eletroneuromiografia confirmou o diagnóstico: ELA, esclerose lateral amiotrófica. “Era surreal”, comenta o ex-tenente.

“Voltei a nadar mesmo sentindo medo de não conseguir. No primeiro dia, foram 600 metros, depois 800 e, no terceiro, 1.000 metros. Na piscina, me sinto melhor para tudo. Faço fisioterapia e tratamento respiratório, tive declínio na capacidade pulmonar porque a ELA atingiu meu diafragma. Tenho falta de ar e, por isso, faço inalação”, detalha.

Victor é atendido pelo Instituto Paulo Gontijo (IPG) e pela Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrELA). O IPG mantém contato diário com o paciente e sua família, orientou sobre atendimento em casa (home care) e sobre o empréstimo de equipamentos fundamentais para manutenção da qualidade de vida (Projeto Comodato).

Nesta sexta-feira, 21 de junho, celebramos o Dia Mundial de Conscientização da Esclerose Lateral Amiotrófica.

TRATAMENTOS –
O único medicamento aprovado no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que consegue impedir a progressão da ELA é o Riluzol.

“Ainda é um medicamento caro, mas que não está mais na faixa acima de R$ 1.000. Obviamente, somado a outros remédios que o paciente precisa tomar regularmente, torna o tratamento de alto custo”, afirma o neurologista Francisco Rotta, coordenador médico do Instituto Paulo Gontijo (IPG).

“Outros tratamentos não medicamentosos são capazes de prolongar a evolução da doença e aumentar a sobrevida e a qualidade de vida do paciente, especialmente a ventilação não invasiva, fisioterapia do corpo e também respiratória”, explica Rotta.

A Portaria Federal nº 370, de 4 de julho de 2008, estabelece, no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), o Programa de Assistência Ventilatória Não Invasiva aos Portadores de Doenças Neuromusculares, para distribuição do BiPAP (Bilevel Positive Pressure Airway).

“Há também remédios que, conforme o estágio da doença, podem ser necessários, especialmente para sintomas relacionados à dificuldade para engolir (disfagia) e à grande produção de saliva, para dores e até insônia, por exemplo. Pacientes com ELA usa, geralmente, entre quatro e cinco medicamentos”, ressalta o neurologista.

MEDICAMENTOS NO SUS –
“Durante muito tempo, a distribuição de medicamentos para ELA pelo SUS manteve-se regular, mas houve um grave desabastecimento em 2018, principalmente no segundo semestre e no período das eleições e, no momento atual, começa a ser regularizado”, diz Adriana Leico Oda, presidente da AbrELA (Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica).

“No dia a dia, essa distribuição funciona bem em São Paulo e Belo Horizonte, mas em outras é preciso brigar. No que diz respeito a dietas para pacientes que não conseguem mais se alimentar sozinhos ou por via oral e passam a usar sondas, que é uma distribuição municipal, essa variação é bem maior”, comenta Adriana. “Algumas cidades fornecem por metade do mês, outras somente por alguns meses e há aquelas que não entregam nada. O fornecimento de cadeiras de rodas, com e sem motor tem base em avaliação sobre a condição do paciente e sobre qual é o equipamento indicado”.

BALDE DE GELO –
Em 2014, o Desafio do Balde de Gelo, ou Ice Bucket Challenge, ampliou o conhecimento mundial sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica. Consistia em jogar um balde de gelo sobre a própria cabeça para promover a conscientização sobre a doença.

Foi uma iniciativa do jogador de golfe Chris Kennedy, porque o marido de sua prima tem a doença. Ele faria uma doação se ela aceitasse o desafio (ela aceitou). Kennedy publicou o resultado em suas redes sociais, o que gerou uma reação do ex-jogador de beisebol Pete Frates (que tinha ELA e morreu em 2017, aos 32 anos) até chegar ao criador do Facebook, Mark Zuckerberg, quando a campanha viralizou.

“Essa ação foi transformadora. Hoje, quando falamos sobre a doença, o balde de gelo é a referência. Isso ajudou muito a identificar a ELA. O desconhecimento geral da população também está presente nas equipes de saúde e nos hospitais. A doença mata, mas a falta de informação mata mais”, afirma a presidente da AbrELA.

CUIDADORES –
Não há, no Brasil, qualquer tipo de apoio formal ou governamental aos cuidadores. “Temos brigado pela garantia de direitos dos cuidadores”, diz Adriana Leico Oda. “São pessoas que assumem essa função a partir de várias origens. Pode ser um familiar ou um antigo funcionário da casa que passa a ter essa responsabilidade, a ser algo que nunca foi. É comum com empregadas que estão na residência há muitos anos e têm a confiança de todos, mas que nunca receberam qualquer treinamento para isso”, afirma. “Há uma grande lacuna nesse trabalho. Existe uma enorme sobrecarga no cuidador”, destaca.

Adriana ressalta a existência de grupos de apoio, coordenados pela associação, em parceria a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Toda quinta-feira, no período da manhã, temos o ambulatório de pacientes com ELA, que centraliza atenção na avaliação desses pacientes. E dentro dessa atividade há algumas ações voltadas aos cuidadores, como a presença de assistentes sociais nas salas de espera, que conversam com esses cuidadores para identificar demandas e dar auxílio de forma mais assertiva”.

Um projeto de lei tramita no Congresso para incluir na aposentadoria de cuidadores um acréscimo no valor do benefício, mas sem previsão de votação. Existem também muitos casos de ações judiciais contra planos de saúde para obter home care.

“Há pouco tempo iniciamos um trabalho com o protocolo de diretrizes e o SUS tem o programa Melhor em Casa, que presta esse atendimento, com um auxiliar de enfermagem exercendo a função do cuidador. Conheço alguns pacientes beneficiados por esse programa, mas não é algo de grande abrangência”, comenta Adriana.

Outra iniciativa da AbrELA para os cuidadores é uma reunião trimestral voltada à capacitação profissional dessas pessoas. “Fazem parte desses eventos as oficinas de ‘mão na massa’, que ensinam como manusear o paciente, como operar os equipamentos e outras especificações. Temos recebidos pedidos de várias cidades fora de São Paulo para promover esses cursos. Nós vamos até o local e levamos professores para cada especialização”.

Essas reuniões são gravadas e publicadas no Youtube. A associação também organiza simpósios e mantém parcerias com prefeituras. Em uma dessa ações, a AbrELA vai capacitar profissionais de toda a rede de saúde municipal de Volta Redona (RJ). “Estudos mostram maior sobrevida de pacientes com atendimento especializado”, completa a presidente da AbrELA.

*Luiz Alexandre Souza Ventura é jornalista colaborador da CDD.

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