Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Luiz Alexandre Souza Ventura*

“Há uma série de vieses inconscientes no sistema de saúde que colocam a mulher negra na condição de subalterna, merecedora de dor e sofrimento”, afirma a advogada e professora Simone Henrique, mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

“Mulheres negras recebem menos atenção nas consultas de pré-natal, são as que mais sofrem com o parto normal com dor, são acometidas pelas consequências da epidemia das cesáreas como mortalidade materno-infantil, paralisia cerebral e depressão pós-parto”, diz a especialista.

Nesta quinta-feira, 25 de julho, quando celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, precisamos destacar as muitas barreiras ainda existentes, no Brasil e no mundo, para acesso da mulher negra à saúde, a tratamentos de qualidade e ao respeito à sua dignidade. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE), 54% da população brasileira é negra.

Simone Freire foi palestrante na conferência ‘A Saúde Pública Municipal: a Questão Feminina Negra’, realizado no mês passado na Escola do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Ela apresentou alternativas para o modelo tradicional de saúde e falou sobre a urgência na transição para um sistema mais democrático.

“Um Sistema Único de Saúde mais solidário passa pela mudança de cultura, que respeite o protagonismo das mulheres à luz do conceito de bem-estar da Organização Mundial da Saúde (OMS), que não vê a saúde apenas como mera ausência de doença”, destacou a advogada.

LUTA E RESISTÊNCIA – Em artigo publicado na página da Fundação Cultural Palmares, a historiadora Nairobi Aguiar destaca a luta e a resistência da mulher negra em toda a América do Sul e Caribe.

“Em todos os tempos, espaços e gerações, nós mulheres negras socializamos saberes na luta contra o racismo, o sexismo e a intolerância religiosa”, destaca Nairobi Aguiar.

“O empenho na luta vai desde o momento em que colocamos água no feijão até quando vamos às ruas contra o extermínio da juventude negra. Lutamos por nós, pelos outros e pelas outras. Não vacilamos na reivindicação por políticas públicas focadas em raça, gênero e terra”, comenta a historiadora, que lidera a representação da Fundação Cultural Palmares na Bahia e em Sergipe.

“Na contramão do nosso protagonismo, as assimetrias raciais direcionadas às mulheres negras persistem. A imagem serviçal vendida pela mídia só reforça os estereótipos colonialistas. A feminização da pobreza é outro exemplo disso”, ressalta a militante.

ÚNICA NEGRA NA SALA – A médica Eloides Araújo Gomes, de 37 anos, que atua em Pacaraima (Roraima), lembra do impacto ao entrar pela primeira vez na sala de aula da Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV) e perceber, aos 22 anos, que era a única negra entre os alunos.

Dedicada atualmente à Atenção Básica, Eloides já trabalhou nas áreas indígenas de Roraima e afirma que a situação venezuelana tem forte reflexo na sua rotina. “Se antes atendíamos 40 pacientes por dia, agora são 60, além das emergências. Há somente um hospital na cidade”, diz a médica.

DEBATE NO PAÍS – A situação da população negra no Brasil, especialmente da mulher negra, é tema constante de debate. No mês passado, na cidade de Pinheiro (Maranhão), um encontro entre gestores públicos e a sociedade foi organizado pelo governo estadual. Na pauta, a implementação de políticas de saúde integral da população negra e das comunidades tradicionais de matriz africana e quilombola.

“A população negra é acometida por agravos de saúde bem específicos e próprios do ponto de vista clínico, genético e social, doenças como anemia falciforme, diabete mellitus, hipertensão e outras”, explica Iracema Amorim, assessora de saúde da Secretaria de Estado da Igualdade Racial (Seir).

“O trabalho que estamos fazendo agora é discutir com os gestores municipais e com a sociedade a necessidade de se colocarem em prática as ações de prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra, observando sempre suas peculiaridades, bem como a gestão participativa e o controle social”, comenta Iracema.

INVISÍVEL – “O negro não está ausente apenas dos meios de comunicação em geral, mas também não comparece como uma entidade importante da vida nacional. O mesmo acontece nas novelas, nos filmes e nos comerciais de TV, onde a sua presença não se dá de forma qualificada e na dimensão correta”, escreveu Helio Santos, professor da Universidade São Marcos (São Paulo) e da Fundação Visconde de Cairu (Salvador), em artigo publicado na Revista Fórum.

“Historiadores oficiais, quando retratam os negros, atuam como se fossem contadores de histórias. Os cientistas sociais e economistas, quando falam em miséria, desemprego, falta de moradia, analfabetismo, concentração de renda, violência e outros tópicos relacionados ao barbarismo social brasileiro, raramente identificam os protagonistas dessa tragédia tendo como referencial a origem racial e étnica”, destacou o escritor, que é autor do livro ‘A busca de um caminho para o Brasil – a trilha do círculo vicioso’ (SENAC, 2001).


*Luiz Alexandre Souza Ventura é jornalista colaborador da CDD.

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