Medo e ansiedade paralisaram idosos, que tentam sobreviver no isolamento social.

Nesta reportagem, você ficará sabendo que:
– Os idosos foram os primeiros a sofrer com o isolamento social diante da pandemia;
– Considerados grupo de risco, alguns foram hostilizados no início por saírem às ruas;
– Que muitos estão se sentindo tristes, ansiosos e ainda com medo diante do vírus;
– Manter uma rotina, com tarefas como arrumar a casa, palavras-cruzadas e cuidar do jardim foram alternativas para não adoecer;
– Especialistas alertam para o retorno excessivo e desorganizado dessa população aos sistemas de saúde.

Tente se lembrar como estava o planeta em março de 2020. Diante da pandemia do novo coronavírus, pessoas com mais de 60 anos eram consideradas as mais vulneráveis, grupo de risco, para a covid-19.

Vera Maria Silva de Moraes, de 76 anos, ficou preocupada e ansiosa. “Meu marido trabalhava fora, vinha todos os dias almoçar e o medo da contaminação. E isso foi me deixando estressada, preocupada. Mas eu achava que era uma coisa mais passageira, mas na verdade não. Já se passaram sete meses e a gente continua com a mesma preocupação, os mesmos cuidados”, declara a aposentada. 

Osvaldo, o companheiro, trabalhava como cobrador de ônibus, mas acabou sendo desligado da empresa. Ambos, que são hipertensos, seguem o isolamento social. “Eu sempre fui caseira mesmo, mas o fato de ser proibida de sair de casa… é complicado você deixar de fazer uma coisa que gosta”, reflete.

Ester Silva Andrade, de 77 anos, também não imaginava, no começo, que a pandemia a deixaria trancada por tanto tempo. “Tenho muita saudade das pessoas, dos amigos, da família. E isso é um martírio muito grande. Nunca pensei que isso mexesse tanto comigo. Eu gosto de abraçar as pessoas, então, uma parte do mundo me impediu de abraçar as pessoas. São sete meses terríveis”, desabafa.

Maria Antonia Demasi, que é jornalista e mestre em Gerontologia Social pela PUC de São Paulo, avalia que os idosos estão cansados da situação de isolamento social. “A exaustão é porque a falta de convivência é muito cruel. Nesse momento, em que a maior parte dos idosos aproveita a aposentadoria, passear e ‘bater perna’, a privação desse modo de vida é muito difícil. E cansa ter a sensação de que não tem nada pra fazer, além da preocupação. Também é muito difícil ficar longe dos netos, filhos e amigos”, afirma.

Para o doutor em Psicologia Leonardo Goldberg, a população idosa ficou duplamente refém no quesito saúde mental. “Responsabilizados, através da OMS, pelas medidas duras de isolamento, tiveram que escolher entre um confinamento total, muitas vezes precário, solitário e sem um domínio razoável da comunicação digital, e, por outro lado, os que arriscam sair são eventualmente hostilizados nos espaços públicos. Isso produz um efeito terrível em termos de saúde mental para uma população que já é vulnerável e como via de regra se apoia nos laços sociais para se manterem ativos e realizados”, ressalta. 

A mestre em Gerontologia Maria Antonia Demasi concorda e acrescenta: “O que aconteceu no começo foi lamentável. A população em geral elegeu os idosos como vilões. Eles aceitaram e vivenciaram toda essa questão da mesma maneira que a gente. Agora eles estão cansados. Ao mesmo tempo, eles descobriram que são capazes de dar conta do desafio bravamente”.

Como os idosos conseguiram driblar o estresse no isolamento social?

Antes da pandemia, Ester Silva Andrade sempre foi de sair. Aos 77 anos de idade, fazia questão de trabalhar e, nos momentos de lazer, receber amigos em casa. Além disso, todos os anos, desfilava no carnaval de São Paulo.

Na quarentena, tentou descobrir maneiras para manter a saúde mental. “Muita limpeza no guarda-roupa, fiz bordados, tentei escrever um samba de carnaval, que eu gosto, mas não consegui terminar. Ainda estou tentando fazer um boneco de fantoche. Minha filha trouxe uma revista de palavras-cruzadas, com umas 300, mas não consegui terminar não. Não gosto de ficar parada, senão, fico chorando”, confessa.

Mulher vestida em roupas alegóricas de carnaval
Ester Silva Andrade (Foto: Acervo pessoal)

Vera Maria Silva de Moraes também é ativa. Para sobreviver no isolamento, procurou estabelecer uma rotina. “Faço uma caminhada de manhã, de uns 40 minutos, chego em casa, tomo um banho, me troco e fico em casa. Mas tento levantar, fazer a caminhada, me arrumo como se eu fosse ir para um lugar mesmo, pra eu me sentir melhor. E assim parece que as coisas não ficam tão pesadas”, conta. 

A aposentada também é amante das flores e cuida diariamente do jardim: “Eu tento ver minha horta no quintal, molhar minhas plantinhas e aí vão passando os dias. Só que está muito demorado. Vamos ver até quando, né?”.

Mulher e homem de cabelos grisalhos sorrindo em um parque
Vera Maria Silva de Morais e Osvaldo (Foto: Acervo pessoal)

Com a flexibilização do isolamento social, a mestre em Gerontologia Maria Antonia Demasi ressalta que os idosos estão voltando aos serviços médicos que foram deixados de lado no início da pandemia. “Eles pararam tudo: exames de rotina, check ups, tratamentos, procura de diagnóstico. Então, agora, do ponto de vista prático, tem uma procura exacerbada. É o momento de eles começarem a sair, temerosos, inseguros e, depois de sete meses, não dá pra imaginar que um idoso passou sem precisar de acompanhamento. E uma volta aos serviços médicos pode ter consequências”, alerta.

Na opinião do doutor em Psicologia Leonardo Goldberg, é preciso considerar uma variável que muitas vezes é descartada pelo pragmatismo médico. “Para tal população, o isolamento total pode se tornar ele mesmo uma sentença de morte. Nesse sentido, o excesso do “remédio” pode matar. Portanto, é um dever social manter e endossar uma sociabilidade digna para uma população já acometida pela solidão, pelas perdas, por uma noção de tempo mais escassa. Isso implica também num risco, mas escutá-los, fazê-los circular, ainda que com cautela e até mesmo através dos espaços digitais, é necessário para que possam manter aquilo que chamamos comumente de saúde mental de forma razoável, conclui.

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