3 condições que podem se manifestar por movimentos repetitivos

A mais conhecida, a discinesia tardia, é causada principalmente pelo uso prolongado de medicamentos antipsicóticos, e pode resultar em movimentos involuntários e incontroláveis. Mas há como contê-los

Fernanda Simoneto, da Redação AME/CDD

Abrir e fechar a boca, morder os lábios, colocar a língua para fora, adotar posturas estranhas com o pescoço. Anormais e involuntários, esses gestos configuram os distúrbios do movimento induzidos pelo uso de medicamentos (DMID). O mais conhecido deles é a discinesia tardia, mas quadros como a distonia tardia e a acatisia também podem se manifestar com movimentos repetitivos.

Na discinesia tardia, os movimentos se concentram principalmente na região da face e do pescoço –  apertar a boca, mostrar a língua, movimentar os olhos. “Tudo é involuntário e incontrolável”, explica o  neurologista Yuri Felloni, do Hospital São Lucas da PUCRS, de Porto Alegre. Mas há casos em que eles avançam para outras partes.

Já na distonia, os principais sintomas são acometimentos da região cervical, principalmente o pescoço. “A tendência é que esses pacientes desenvolvam posturas anormais, como se fosse um torcicolo”. 

Discinesia tardia (DT)

Os primeiros casos surgiram em 1952, logo após o lançamento do primeiro antipsicótico do mundo, a clorpromazina. A droga controla as reações cerebrais que desencadeiam episódios esquizofrênicos, mas trouxe esse efeito colateral. E isso possivelmente graças à ação de um neurotransmissor do cérebro: a dopamina. 

“Essas medicações agem, principalmente, bloqueando os receptores de dopamina, o neurotransmissor responsável por manter a fluidez dos movimentos”, afirma Felloni. Ora, pessoas com esquizofrenia costumam ter uma liberação de dopamina aumentada durante as crises agudas

Para se caracterizar como um quadro de discinesia, os sintomas devem permanecer mesmo um mês após a retirada do fármaco voltado para tratar a questão psiquiátrica. A maioria dos casos de discinesia é identificada em indivíduos que utilizam os chamados antipsicóticos de primeira geração – os primeiros a serem desenvolvidos. 

“Os de segunda geração tem uma ação menor em uma das vias específicas da dopamina, principalmente os receptores D2. Por isso, apresentam um menor risco de desenvolver discinesia”, explica Felloni. 

Outro medicamento associado aos casos de DT é o plasil, substância que age no alívio de náuseas e vômitos. Geralmente, isso ocorre quando o medicamento é administrado em doses maiores do que a recomendadas.  

Os mais afetados pela DT costumam ser os idosos. Por causa da idade avançada, esses indivíduos tendem a ter uma diminuição dos receptores dopaminérgicos. “Como os antipsicóticos acabam agindo diretamente nesses receptores da dopamina, eles têm uma tendência de estarem mais suscetíveis”, explica. 

De acordo com o neurologista, a incidência anual de discinesia tardia pelo uso de antipsicóticos de primeira geração está entre 10% e 25% nos idosos. Nos casos em que a medicação é utilizada por um período maior que dez anos, cerca de 50% dos pacientes desenvolvem a doença.

Felloni faz um alerta especial para o uso off-label desses medicamentos . “Temos a informação que 65% dos casos de discinesia tardia são causados nesse contexto”, afirma. 

Em geral, o uso fora das indicações da bula é feito por pessoas com quadros de insônia ou depressão que buscam potencializar os efeitos do tratamento, ou por aqueles que apresentam alterações cognitivas. 

Os movimentos incontroláveis afetam diretamente a rotina dos pacientes. Como a principal região afetada é a face e a boca, há certa dificuldade para comer e falar. 

“Se membros superiores forem atingidos, pode-se comprometer tarefas manuais. Cortar o alimento, servir uma bebida, beber algo com o copo, tudo isso fica prejudicado”, esclarece. 

O diagnóstico da discinesia tardia é clínico. O médico precisa excluir a possibilidade de outras doenças que causam sintomas semelhantes. “Exames complementares podem ser pedidos para excluir outras causas, mas não existe nenhum que confirme o diagnóstico em si”, afirma Felloni. 

A boa notícia é que existem tratamentos para a discinesia. De acordo com Felloni, a principal estratégia é fazer o diagnóstico precoce e, então, verificar se é possível interromper ou substituir o uso da medicação. “O ponto essencial é identificar a medicação que está causando os sintomas”, explica o neurologista. “Se feita a substituição precocemente, existe uma grande chance de reversão completa do quadro”, completa. 

Infelizmente, na maioria dos casos, as pessoas demoram a buscar apoio médico, o que reduz a chance de recuperação completa. 

Existem casos, no entanto, em que é necessário partir para remédios que reduzem os movimentos anormais. “Essas medicações estão disponíveis tanto no exterior como no Brasil, e trazem um benefício de leve a moderado”, afirma. 

A deutetrabenazina é a principal. Ela foi desenvolvida para a coreia da doença de Huntington. Coreia é o nome dado aos movimentos breves, irregulares e repetitivos que passam de uma parte do corpo a outra de forma abrupta nessa doença. Aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2021, ainda não está disponível no SUS. 

Existem outras duas estratégias para os casos mais graves e refratários da DT. A primeira é aplicação de toxina botulínica nas regiões afetadas. A segunda consiste em uma cirurgia para implantar eletrodos no cérebro que modulam as vias dopaminérgicas. “De forma geral, esses tratamentos são utilizados quando não é feito o diagnóstico precoce”, explica Felloni. 

Um ponto importante para reduzir o risco da discinesia tardia é manter o contato com o psiquiatra. “Todos em uso dessas medicações devem ter acompanhamento contínuo, idealmente a cada seis meses. Com o monitoramento, assim que iniciarem os sintomas, a medicação pode ser substituída”, conclui o neurologista. 

Distonia tardia

As características da distonia tardia costumam ser semelhantes às da discinesia. No entanto, a área afetada é a região da cervical, principalmente o pescoço. Os agentes causadores também são os antipsicóticos, principalmente os de primeira geração.

O tratamento começa com a interrupção do uso da droga que provoca os movimentos involuntários, assim como na discinesia. Em casos mais graves, quando não há remissão dos sintomas, o paciente também pode ser orientado a usar toxina botulínica. 

Acatisia

É um distúrbio do movimento que provoca uma sensação de incômodo constante nos pacientes. É comum que essas pessoas tenham dificuldade em permanecer sentadas, por terem sentirem uma sensação constante de desconforto. Geralmente, quando sentadas precisam manter-se em movimento: cruzam as pernas sem parar, balançam para frente e para trás, levantam os pés como se fossem marchar. A principal causa do distúrbio está no uso dos antipsicóticos de primeira geração.

Assim como na maior parte dos distúrbios do movimento, o diagnóstico é estritamente clínico e se baseia nos sintomas. Os relatos, no entanto, podem ser vagos, uma vez que envolvem uma sensação constante de nervosismo, inquietação e incapacidade de relaxar. A sensação de inquietude e descontrole com os movimentos já foi relatada por pessoas com doença de Parkinson e outros transtornos neuropsiquiátricos.

Em geral, os movimentos involuntários ocorrem já após o terceiro dia de uso dos antipsicóticos, mas existem casos de acatisia tardia, em que os sintomas iniciam meses ou anos após a interrupção do medicamento. A ocorrência estimada é de 20% a 30% naqueles expostos a essa classe de  drogas. Além dos antipsicóticos de primeira geração, bloqueadores dos canais de cálcio, antibióticos, anti-náuseas e antivertiginosos também podem causar a acatisia, apesar de ser menos frequente. 

Na maior parte dos casos, o tratamento é feito com a interrupção da medicação. Quando a suspensão não é suficiente, o profissional responsável pode indicar tratamentos com outros medicamentos, que bloqueiam os sintomas da acatisia. 

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