Cresce número de pessoas com doenças inflamatórias intestinais. Por quê?

Doenças inflamatórias intestinais como de Crohn e retocolite ulcerativas exigem um  tratamento multiprofissional contínuo. Causas exatas ainda são debatidas pela ciência 

Valentina Bressan, da Redação AME/CDD

As doenças inflamatórias intestinais (DII) afetam mais de 5 milhões de pessoas mundialmente, segundo compilação da Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Em um estudo de 2021, um grupo de cientistas que incluía o presidente da organização demonstrou que a prevalência dessas doenças no Brasil aumentou de 30 para 100 pessoas a cada 100 mil apenas entre 2012 e 2020.

“Há um ‘surto’ de DII no mundo. Ainda não sabemos se é devido a um maior número de diagnósticos ou se há algum fator ambiental”, explica o gastroenterologista Gustavo Hahn, membro do núcleo de DII do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre. 

As DIIs mais conhecidas, a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, são crônicas. São também imunomediadas – isto é, ocorrem devido a problemas no sistema imune –, um mecanismo similar ao de uma doença autoimune, em que as células de defesa passam a atacar o próprio organismo. No caso das DIIs, porém, não é possível identificar um tipo específico de anticorpo responsável pela ação. 

As pessoas mais frequentemente diagnosticadas pelas DII estão na faixa dos 20 a 30 anos. Mas, segundo o gastroenterologista, cada vez mais diagnósticos têm surgido nos extremos da vida. “Com o aumento da expectativa de vida, temos visto mais pacientes com 50, 60 anos. E também há cada vez mais crianças com DII”, afirma. 

Nos idosos, a doença costuma ser mais branda. Já no público infantil, tende a ser mais agressiva. Pessoas com origem europeia e judaica têm uma propensão maior a desenvolver as DIIs.

Diferenciação das doenças intestinais envolve múltiplos fatores

O diagnóstico exige avaliação clínica e uma série de exames, como endoscopia, colonoscopia e testes sanguíneos. Os sintomas da doença de Crohn e da retocolite ulcerativa se confundem. Mas existem diferenças entre as duas enfermidades.

Enquanto a retocolite afeta apenas o intestino grosso, a doença de Crohn pode se espalhar por todo o trato gastrointestinal. Embora se manifeste predominantemente numa porção do intestino chamada de íleo terminal, o Crohn provoca sintomas como dor abdominal recorrente, anemia e perda de peso. Em menores de 16 anos, também é notado um déficit na curva de crescimento. 

Em ambas as doenças, o paciente pode apresentar diarreia com sangue, muco e pus. Esse tipo de sintoma, entretanto, é mais comum na retocolite. Nesse caso, também há risco de incontinência fecal. Aliás, um fator de diferenciação de outras doenças intestinais – como a síndrome do intestino irritável – é que a diarreia provocada pela retocolite é tão forte que acorda a pessoa à noite. 

Investigação das causas

As causas das DIIs ainda não são totalmente claras para a ciência. No entanto, já existem apostas sobre fatores que desencadeiam esse tipo de enfermidade.  Em um artigo publicado na revista científica GUT, da Sociedade Britânica de Gastroenterologia, cientistas demonstraram que o abuso de antibióticos aumenta o risco de DII.  

“O artigo corrobora uma das teorias atuais a respeito das doenças”, afirma Hahn. “O antibiótico afeta a microbiota intestinal saudável, o que pode deixar o intestino vulnerável a outros patógenos”. Aí, micro-organismos nocivos atacariam a região e desencadeariam uma reação exagerada do sistema imunológico – seria a inflamação típica das DIIs. 

Segundo Hahn, a microbiota tem sido foco especial de estudos, e novas descobertas sobre a relação entre DII e o uso de medicamentos são aguardadas. Por enquanto, as pesquisas ainda são iniciais: não existem evidências sólidas que justifiquem, por exemplo, o uso de probióticos ou prebióticos como forma de precaução.

A influência genética também é pesquisada. Em famílias com histórico de enfermidades autoimunes ou imunomediadas de forma geral, há maior risco. Já existem indicações de que certas mutações estão associadas às DII. Mas atenção: exames de mapeamento genético ainda não são indicados pelos médicos, principalmente pelo custo. Isso, entretanto, talvez mude no futuro.

Também são considerados o tabagismo, o consumo de álcool e o histórico de cirurgias e lesões na área intestinal. Os alimentos ultraprocessados são outro perigo em potencial. 

Tratamento

Nas DII, os médicos não trabalham com o conceito de cura, mas de remissão. Para considerar que a doença está estagnada, é preciso comprovar o sumiço dos sintomas e também a chamada remissão laboratorial, a partir da normalização de marcadores inflamatórios e de exames de imagem. 

Os tratamentos são variados, e dependem do tipo de doença, da extensão e da localização da inflamação. Na retocolite ulcerativa, podem ser utilizados pela via oral e até local. Se a doença é grave, primeiro é preciso induzir a remissão inicial com corticoides, para “apagar o fogo” da inflamação, como ilustra Hahn. Depois, são introduzidos imunossupressores ou imunobiológicos para regular a resposta do sistema de defesa.  

Na doença de Crohn, medicações tópicas ou orais não surtem efeito. Esse critério é inclusive usado para bater o martelo sobre os diagnósticos. Nesse caso, é mais comum usar imunobiológicos, isolados ou em combinação com imunossupressores. 

Para um tratamento que garanta uma melhora da qualidade de vida, é preciso realizar acompanhamento com um grupo multidisciplinar. Isso porque a convivência com essas doenças crônicas exige um cuidado nutricional e psicológico, e também porque as DII podem se manifestar além do intestino. 

Repercussões fora do intestino

As manifestações extraintestinais podem ser cutâneas, oculares e afetar o fígado. As DII provocam ainda artrite, eritemas nodosos, esclerites nos olhos e até espondilite anquilosante. Essas condições não têm momento definido para ocorrer, e são verificadas antes do diagnóstico, quando a doença está ativa ou mesmo quando já foi controlada. 

Por serem imunomediadas, as DII estão associadas a um risco maior de de outras enfermidades imunológicas. É o caso do hipotireoidismo, da doença celíaca e de doenças reumatológicas e oftalmológicas. 

Um acompanhamento médico próximo é essencial para fazer frente aos desafios do tratamento: a eficácia das terapias pode diminuir ou a inflamação mudar de rota inflamatória. “É uma doença que tem altos e baixos mesmo com tratamento”, explica Hahn. 

Outro alerta para pessoas diagnosticadas com doenças inflamatórias intestinais há mais de oito anos é a regularidade dos exames. Após esse período, as doenças inflamatórias intestinais aumentam o risco de câncer colorretal. 

Por isso, os médicos indicam realizar a colonoscopia anualmente ou a cada dois anos, de acordo com o estágio da doença. Esse rastreio pode ser feito via SUS.

Cuidados com a dieta

Ainda não existem orientações gerais para prevenção de doenças inflamatórias intestinais, justamente porque as causas não estão estabelecidas. Não existem dietas preventivas. 

Mas, para quem convive com o diagnóstico, médicos costumam contraindicar o consumo de fibras, verduras e frutas nas fases mais ativas da doença. “É bem ao contrário do que se costuma dizer, mas isso serve para controlar os sintomas, porque não queremos que o paciente tenha diarreia”, diz Hahn. Também é preciso evitar leite e derivados nesse período. 

Mas para quem está com a doença controlada, a dieta não precisa ser restritiva. Aí entra o acompanhamento com o nutricionista e outras especialidades. De forma geral, para manter a saúde do intestino, as indicações médicas são as mesmas: evitar carne vermelha em excesso, alimentos ultraprocessados e ter uma dieta mais natural. 

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